quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

O sobrado - Paulo Eiró



Segue magnífico poema do inspirado poeta e dramaturgo santamarense Paulo Eiró, um dos maiores bardos da Terra Bandeirante e o primeiro poeta a pugnar pela abolição da escravatura, anos antes de Castro Alves.



Do céu à luz decadente
Contemplai esse sobrado
Que na face do presente
Lança o escárnio do passado:
Seu vulto negro ali está,
Nas trevas nódoa mais densa
Como sacrílega ofensa
Em alma perdida já.

Ei-lo! É no térreo degredo
Moço poeta a cismar,
Imóvel, como o penedo
Que escuta as vozes do mar.
Ei-lo aí! Dilacerado
Livro que o aquilão abriu,
E os segredos do passado
Aos meus olhos descobriu.

Esse teto quantos sonhos
Não abrigou de ventura!
Ai! quantos votos risonhos
Hoje o vento inda murmura!
Tristeza aqui não sentis?
Nestas lôbregas paredes
Tocante história não ledes
De alguma época feliz?

Apagou-lhe os caracteres
O tempo no andar veloz,
Imagem desses prazeres
Que deixam remorso após.
Passaste, oh quadra de amores,
Como o fumo em espiral,
E, perdendo tuas flores,
Secaste, pobre rosal.

Como em uma alma abatida
Por paterna maldição,
No que foi templo de vida
Hoje impera a solidão.
Aqui, a lira inquieta
Furta-se aos cantos de amor,
Embarga a voz do poeta
Um acréscimo de dor.

O homem sonha monumentos
E só ruínas semeia,
Para pousada dos ventos;
Como os palácios de areia
Dos seus brincos infantis,
Mal divisa o que apetece,
Que tudo se desvanece...
Feliz quem amou! Feliz!

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Ave Maria - Fernando Pessoa


Segue um lindo poema feito por Fernando Pessoa em homenagem a Maria, mãe de Jesus Cristo.

Ave Maria, tão pura
Virgem nunca maculada ouvi a prece tirada no meu peito da amargura. Vós que sois cheia de graça escutai minha oração, conduzi-me pela mão por esta vida que passa. O Senhor, que é vosso Filho, que seja sempre conosco, assim como é convosco eternamente seu brilho. Bendita sois vós, Maria, entre as mulheres da Terra e voss'alma só encerra doce imagem d'alegria. Mais radiante do que a luz e bendito, oh Santa Mãe é o Fruto que provém do vosso ventre, Jesus ! Ditosa Santa Maria, Vós que sois a Mãe de Deus e que morais lá no céus, orai por nós cada dia. Rogai por nós, pecadores, ao vosso Filho, Jesus, que por nós morreu na cruz e que sofreu tantas dores. Rogai, agora, oh Mãe querida e (quando quiser a sorte) na hora da nossa morte quando nos fugir a vida. Ave Maria, tão pura Virgem nunca maculada, ouvi a prece tirada no meu peito da amargura.

Canção das Águias - Plínio Salgado


Embora tenha se destacado muito mais como prosador, - escrevendo obras-primas como a "Vida de Jesus" que é, no dizer do Pe. Leonel Franca, "a jóia de uma literatura" e os romances "O estrangeiro" (primeiro romance social em prosa modernista de nossa Literatura e também a maior realização romanesca da geração do Modernismo), "O esperado", "O cavaleiro de Itararé" e "Voz do Oeste" (que constituiu o grito que, no dizer de Juscelino Kubitschek, preparou a construção de Brasília) e também como pensador, legando à posteridade obras do quilate de "Psicologia da Revolução" , de "O conceito cristão da Democracia", de "A Aliança do Sim e do Não" e de "Espírito da burguesia" - Plínio Salgado foi também poeta, escrevendo alguns poemas valiosos, como os "Poemas do século tenebroso" (assinados com o pseudônimo de Ezequiel) e o soneto que lerão a seguir, publicado em seu primeiro livro, "Tabor", de 1919.

Eleva-te no azul! Corta-o serena e forte...
Rasga o seio à amplidão! Embriaga-te no arrojo
do vôo triunfal! Deixa que estruja o norte,
que o mar rebente em fúria e encarcere no bojo
as potências revéis e as ciladas da morte!
Atira-te no espaço!

E, se um dia, singrando os céus, vieres de rojo,
rotas as asas de aço, banhada em sangue, o olhar
em febre, a alma descrente, não te abata o cansaço!
De oceano atro e fatal não te sorva a torrente...
Grita, forceja, anseia e combate e disputa...
morre a lutar, morre na luta, mas, antes de morrer, tenta ainda voar!

Ó sino da minha aldeia - Fernando Pessoa


Segue um breve e belo poema do maior poeta lusófono desde Camões.


Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.


Salve Pátria - Câmara Cascudo


Abrirei este singelo "blog" com uma bela poesia patriótica de Luís da Câmara Cascudo, maior folclorista do Brasil (embora não se julgasse sequer um folclorista, considerando Gustavo Barroso - seu grande amigo e companheiro de militância na Ação Integralista Brasileira - o "mestre incontestável do folclore brasileiro"), além de um dos mais brilhantes poetas, jornalistas, etnólogos, sociólogos, historiadores e ensaístas jamais nascidos neste País.

Salve Pátria !

Mãe de heroísmos, vida, força, esplendor, esperança nossa, salve ! A vós bradamos, os humildes soldados de vossa grandeza, e a vós suspiramos, gemendo e sonhando nesta hora de combate. Ela, pois, advogada do nosso passado, a nós volvei, perpetuamente, os exemplos dos nossos mortos e depois da batalha, conservai-nos puros ante vossa presença augusta.

Bendito seja o fruto da vossa história. Oh nobre ! Oh altiva ! Oh sempre gloriosa Pátria, mantem-nos fiéis ao espírito e à Terra do Brasil, para que possamos viver em vosso serviço e morrer defendendo as cores sagradas de vossa BANDEIRA IMORTAL !

(Publicada na Revista "Anauê" em agosto de 1935)